Aurora boreal (F. Tordo -A. Guedeão) Tenho quarenta janelas nas paredes do meu quarto sem vidros nem bambinelas; posso ver através delas o mundo em que me reparto. Por uma entra a luz do sol, por outra a luz do luar, por outra a luz das estrelas que andam no céu a rolar. Por esta entra a Via Láctea, um vapor de algodão, por aquela a luz dos homens, pela outra a escuridão. Pela maior entra o espanto, pela menor a certeza, pela da frente a beleza inunda de canto a canto. Pela quadrada entra a esp’rança de quatro lados iguais, quatro arestas, quatro vértices, quatro pontos cardeais. Pela redonda entra o sonho, que as vigias são redondas, o sonho afaga e embala à semelhança das ondas. Por além entra a tristeza, por aquela entra a saudade e o desejo e a humildade e o silêncio e a surpresa. E o amor dos homens e o tédio, e o medo e a melancolia e essa fome sem remédio a que se chama poesia, e a inocência e a bondade e a dor própria e dor alheia e a paixão que se incendeia e a viuvez e a piedade... E o grande pássaro branco e o grande pássaro negro que se olham obliquamente arrepiados de medo. Todos os risos e choros, todas as fomes e sedes, tudo alonga a sua sombra nas minhas quatro paredes. Ó janelas do meu quarto, quem vos pudesse rasgar! Com tanta janela aberta falta-me a luz e o ar...