Dos que morreram sem saber porquê, dos que teimaram em silêncio e frio Da força nascida no medo e a raiva à solta manhã cedo Fazem-se as margens do meu rio
Das cicatrizes do meu chão antigo e da memória do meu sangue em fogo Da escuridão a abrir em cor, do braço dado e a arma flor Fazem-se as margens do meu povo
Canta-se a gente que a si mesma se descobre e acorda vozes, arraiais Canta-se a terra que a si mesma se devolve Que o canto assim nunca é demais
Em cada veia o sangue espera a vez, em cada fala se persegue o dia E assim se aprendem as marés, assim se cresce e ganha pé Rompe a canção que não havia
Acordem luzes nos umbrais que a tarde cega, acordem vozes e arraiais Cantem despertos na manhã que a noite entrega Que o canto assim nunca é demais
Cantem marés por essas praias de sargaços, acordem vozes, arraiais Corram descalços rente ao cais, abram abraços Que o canto assim nunca é demais O canto assim nunca é demais