Se eu disser que vi um pássaro Sobre o teu sexo, deverias crer? E se não for verdade, em nada mudará o Universo. Se eu disser que o desejo é Eternidade Porque o instante arde interminável Deverias crer? E se não for verdade Tantos o disseram que talvez possa ser. No desejo nos vêm sofomanias, adornos Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro Voando sobre o Tejo. Por que não posso Pontilhar de inocência e poesia Ossos, sangue, carne, o agora E tudo isso em nós que se fará disforme?
DA NOITE
I
Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas e buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas. Algumas tinham manchas azuladas E o dorso reluzia igual à noite E as manhãs morriam Debaixo de suas patas encarnadas.
Vi-as sorvendo as uvas que pendiam E os beiços eram negros, e orvalhados. Uníssonas, resfolegavam.
Vi as éguas da noite entre os escombros Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas. Laços de pedra e palha entre as alfombras E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.
Vi-as tumultuadas. Intensas. E numa delas, insone, a mim me vi.
DO DESEJO
VIII
Se te ausentas há paredes em mim. Friez de ruas duras E um desvanecimento trêmulo de avencas. Então me amas? te pões a perguntar. E eu repito que há paredes, friez Há molimentos, e nem por isso há chama. DESEJO é um Todo lustroso de carícias Uma boca sem forma, um Caracol de Fogo. DESEJO é uma palavra com a vivez do sangue E outra com a ferocidade de Um só Amante. DESEJO é Outro. Voragem que me habita.
ALCOÓLICAS
I
É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco: pedra mórula ferida. É crua e dura a vida. Como um naco de víbora. Como-a no livor da língua Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me No estreito-pouco Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida Tua unha plúmbea, meu casaco rosso. E perambulamos de coturno pela rua Rubras, góticas, altas de corpo e copos. A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos. E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima Olho d'água, bebida. A vida é líquida